JULGAMENTO

O olhar clemente e julgador apontava-me toda a minha negligência. [negligente. negligente.] como pude deixar que acontecesse? Abandonei-a. Abandonei-os todos! Os olhares eram claros: [culpado. culpado. culpado.] a carne exposta as feridas abertas as larvas... Tudo que há de repugnante

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GENESIS

Fui batizado num lugar desconhecido: venho de onde não sei. O passado é um sonho esquecido ao amanhecer: imagens nubladas, confusas. Sinto minha existência sem genesis: sempre estive aqui ao que parece. Minha mãe quis que fosse assim: deu-me um

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A BONECA QUE COLECIONAVA PESSOAS

A boneca de porcelana teve há muito tempo uma dona que a ganhou de presente em sua festa de doze anos. A menina cresceu e se casou e, com pesar, num baú pôs-se a guardar a boneca que abandonou. Teve,

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UM SALTO NO ABISMO

Pintura "Mulher chorando", de Pablo Picasso. I Teus lábios tão escuros — negros — são noites sem lua, e não há noites como a tua tão repletos de segredos. Sei que te atormenta o medo do lançar-se no vazio desconhecido,

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AINDA SONHO

A quietude me fascina. Sou homem rocha, estático, feito para a calmaria — dias sem vento. Acompanho o fluir dos dias com paciência, como uma criança que desconhece o tempo. Foi assim que vi você partir. Foi assim nosso devir.

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AUSPÍCIO

Decerto fui ingênuo e imaturo, ao que me arrependo amargamente. Hesitei em te deixar, fui negligente ao aceitar que governasse tudo. Tomaste de mim o meu mundo e quando percebi já era tarde. Agiste como uma fera covarde, sem pena

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INCÓGNITA

Mistério ao vento (1971), de Reynaldo Fonseca. Fui e sempre serei um homem nú- mero. Um resultado errado para os problemas da vida. Alma trans- ferida que não cicatriza. Gente espontânea- mente indecisa. Fui e sempre serei um homem só-

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IN-SANIDADE

Retrato de Jan Švankmajer. Gotas de soro pingam lentamente, continuamente a contar o tempo. Tempo travado, pausado, lento para o enfermo, para o paciente. Jogado numa maca qualquer, tal pulha, algemado como um louco, demente. O braço inchado, latejante, dormente,

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AO REPOUSO

Nos invernos chuvosos de vidraças embaçadas Foram tortuosas horas de estupor noturno Meu corpo frágil, tísico e taciturno Deitou-se sob o céu, amortalhado No peito, um incômodo chiado Arranhando o âmago tuberculoso Na alma deste horrífico lamentoso Resquícios de vida,

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SUBURBANOS

"Os Bêbados", pintura de José Malhoa, 1907. Entre becos e estreitas vielas De velhas e imundas casas verde-amarelas Moram os bêbados e aleijados Moram os cornos e falsas donzelas Entre moscas e urubus famintos Nas favelas, nos labirintos Moram as

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FRIEZA

No teu último suspiro... vi-me em teus olhos Enxerguei na tua retina minha própria morte Sacrifiquei tudo que eu mais amava E enterrei contigo minha pouca sorte Os nossos dias foram tão felizes E agora estamos aqui, abraçados Não como

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QUE É QUE ESTA TERRA TEM?

Não sou destas águas Nem destes banhos Não me criei por estas bandas Tampouco vivi aqui minha infância Mas me sinto abraçado Como todos os filhos legítimos do Caeté Não fui moleque do mangue Nem girino de Igarapés Não me

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LENORA (*)

Ilustração: "The grave of Lenore", de Abigail Larson. Foi uma vez: eu caminhava, à meia-noite erma e sombria, a procurar a tumba de Lenora entre outras tumbas tais, e, entre estátuas e sepulturas, uma estranha sombra figura tão rápida por

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