Saí de casa às pressas. Não contei à minha mulher aonde ia e nem o que havia naquele bilhete. Já passava das onze horas da noite e fazia frio, as ruas estavam desertas e os becos escuros eram um convite a todos os tipos de violência e clandestinidade. Há muito tempo eu não via meu amigo Leandro, para falar a verdade, minha última lembrança dele é dos tempos de faculdade, quando saíamos para beber e nos divertir pelos bordéis da cidade. Depois disso ele se mudou para o interior e eu me casei. Agora, após doze anos, ele retorna.
O bilhete que chegou
a minhas mãos por meios de um entregador de gás era bastante objetivo:
Jonas,
preciso de você. Encontre-me à meia noite de hoje na Rua Augusta. Vá sozinho.
Não conte a ninguém.
Leandro Albuquerque Novaes
Fiquei preocupado, o
tom da mensagem era séria e indiretamente parecia indicar que ele estava com
problemas. Sérios problemas. No entanto, fiquei feliz, pois achava que nunca
mais o veria.
Cheguei à Rua Augusta
antes da meia noite, e não o encontrei. Só havia um bar aberto, com meia dúzia
de bêbados sentados no balcão. Na rua, uma neblina infernal. Entrei no bar e
sentei numa mesa de canto, pedi uma dose de Vodka e esperei. Aos poucos, um a
um foi saindo do bar até que só restamos eu e o atendente. Quando pedi a quarta
dose entrou no bar um homem com uma jaqueta preta, boné, barba e uma aparência
bastante desgastada. A princípio não o reconheci, mas quando se aproximou não
tive dúvida de que se tratava do meu amigo de mocidade.
— Que bom que veio. —
ele disse com uma aparente preocupação.
— Como você está meu
amigo? Fico muito feliz em...
— Desculpe Jonas.
Também estou feliz em revê-lo, mas estou sem tempo para conversar agora. — Me
interrompeu subitamente — Nesse momento há duas pessoas vindo para cá e eles
querem algo que está comigo. Preciso que você entregue isso para uma mulher.
Ele pegou minha mão e
colocou uma chave.
— Mas... explique
isso direito, não estou entendendo nada. Que mulher? E por quê?
— Você vai ter essas
respostas assim que entregar a chave. O nome dela é Anna Hyuga. Ela vai estar
te esperando atrás do museu Carlos Prestes, às seis horas da manhã. Quando ela
te perguntar quem enviou a chave, diga que foi o Camaleão. — disse já se levantando para ir embora.
— Espere! Não posso
fazer isso. Tenho minha esposa me esperando em casa.
— Desculpe-me meu
amigo, você é o único que poderia fazer isso para mim. Acredite, é muito
importante. — falou já saindo do bar.
E assim ele se foi,
me deixando ali com uma chave na mão e uma cabeça cheia de dúvidas. Pensamentos
ainda se conflitavam em minha cabeça quando alguém agarrou em meu braço e me
puxou com força.
— Venha comigo. Eles
não podem te ver aqui. Saia pelos fundos. — era o atendente do bar.
Ele resmungava algo
que eu não conseguia identificar e me empurrou por um corredor escuro que saiu
na rua dos fundos. De repente acordei e me dei conta da gravidade da situação:
Leandro falou de dois homens que estavam atrás dele, e que provavelmente é por
causa dessa chave. Eu estava correndo perigo! Comecei a suar frio e saí
correndo sem rumo. Quando dobrei a esquina ouvi dois tiros.
Já amanhecia quando
eu cheguei ao museu Carlos Prestes. Tive que ir andando, pois não encontrei
nenhum táxi àquela hora. O raiar do sol trouxe de volta o calor e afugentou a
densa neblina, e as pessoas começaram a sair de suas casas para ir trabalhar e
estudar. Eu estava com medo de ir entregar aquela chave, mas ao mesmo tempo
acreditava que teria que fazer isso, pois possuía uma dívida antiga com
Leandro. Era a minha chance de quitar esse débito.
A rua atrás do museu
em pouco tempo ficou repleta de pessoas, indo e vindo de algum lugar. Como eu
saberia como encontrar a tal Ana Hyuga? Isso o Leandro não me explicou. Mas,
pelo sobrenome, imaginei que se tratava de uma descendente japonesa, nisei ou
sansei. Então procurei pessoas com fisionomias orientais.
Às seis horas, em
ponto, uma mulher se aproximou e me perguntou o horário.
— São seis em ponto,
moça.
— Está com a chave?
Era ela. Ao contrário
do que eu tinha imaginado, não tinha nenhum traço oriental em sua fisionomia.
Era magra, cabelo ruivo, menos de trinta anos.
— Sim, o Camaleão pediu que eu te entregasse.
— Vamos entrar no
museu, lá dentro te explico o que você vai precisar saber. — disse já se
dirigindo à entrada principal do edifício.
— Mas o museu só abre
às oito!
— Não para nós. —
falou já estendendo a mão para que eu lhe entregasse a chave.
Ela abriu a porta do
museu com aquela chave e entramos sorrateiramente. O salão principal era bem
espaçoso e continha uma exposição da história e objetos pessoais de Carlos
Prestes, aquele que foi um desbravador daquela região em tempos remotos. O teto
era arredondado, as paredes muito brancas e nenhuma janela. No fim do salão
havia uma escada, não para cima, mas para baixo, onde se encontravam o depósito
e os banheiros.
Ana desceu a escada e
eu fui a seguindo. Quando chegamos ao depósito ela utilizou a mesma chave para
abrir um armário, então retirou de lá uma pasta. Na capa pude ler: Leandro Albuquerque Novaes. 14 de Abril
de 1994.
— Não me apresentei
ainda. Chamo-me Ana Fernandes, mais conhecida como Hyuga. Sou amiga do Leandro
e estou aqui por que ele se meteu em um grande problema e você está diretamente
ligado a isso.
— Não o via há doze
anos, como posso estar ligado aos problemas dele?
— O Leandro não é um
cidadão comum, Jonas. Ele é um assassino. É o trabalho dele matar pessoas e
receber por isso. O codinome Camaleão
é bastante conhecido neste estado pelas pessoas que requisitam esse tipo de
serviço.
Fiquei atônito com
aquela informação. Leandro sempre foi muito calado e extremamente calmo. Nunca
imaginei que ele pudesse se tornar um matador de aluguel.
— E onde eu entro
nessa estória?
— Semana passada ele
recebeu de seu superior um novo nome para exterminar, mas não conseguiu
concluir o serviço. Não por incompetência, mas por que se tratava da sua
esposa, Elizabeth.
— Elizabeth?!? Mas
por quê? O que ela fez?
— Essa é uma
informação que eu não tenho. Só sei lhe dizer que se Elizabeth não estiver
morta até o fim do dia, quem morrerá será o Camaleão.
Minha cabeça parecia
que iria explodir. Recebi um simples bilhete de um amigo de juventude e de
repente minha vida se tornou um caos.
— Ai, meu Deus. Por
que isso está acontecendo? — eu estava em pânico.
— Acalme-se! Eu estou
aqui por que o Leandro me pediu para entregar esse envelope para você. Ele não
pôde dizer pessoalmente, pois estavam o seguindo, por isso ele guardou aqui no
museu, onde ele trabalha disfarçadamente durante o dia. Leia!
Caro
amigo,
Hoje
recebi a mais cruel missão da minha merda de vida. Desde que me mudei, tomei
rumos obscuros e cruéis em busca de dinheiro e satisfação pessoal. Carrego nas
costas a alma de dezenas e em minhas mãos o sangue daqueles que se endividaram,
vítimas de si mesmos. Vivo toda noite o pesadelo de viver. Meus únicos sonhos
bons são da época em que nós éramos jovens, esses sim são sonhos felizes, mas
hoje são apenas sonhos. Desculpe-me por não dar notícias minhas por tanto tempo
e por voltar causando esse transtorno em sua vida.
Hoje,
antes da meia noite, eu irei visitar sua casa para matar Elizabeth. Hyuga lhe
entregará uma arma e um envelope que só deverá ser aberto daqui a três dias.
Esteja lá esperando por mim. Quero ser morto pelas mãos do companheiro que
outrora dividiu comigo momentos de verdadeira felicidade.
Leandro
♠♠♠
O relógio marcava onze horas e treze minutos da noite quando silenciosamente ouvi a fechadura da porta dos fundos se mexer. Eu estava sentado no sofá da sala e empunhava a arma vigorosamente. Nervoso, mas ao mesmo tempo aliviado.
Leandro abriu a porta
e se posicionou a minha frente.
— O que você fez?!?
Não era para você ter feito isso! Não foi isso que eu planejei. — gritou e
correu para a cozinha.
Elizabeth estava
caída, seu sangue corria por entre as frestas das lajotas. Eu a matei. Afinal,
se alguém pagou tão caro para matá-la, é por que algo muito errado ela havia
cometido.
No envelope havia um cartão de uma conta na Suíça com dois milhões de dólares.
Ilustração de Dênis Girotto de Brito
Uma estória envolvente e com um final que me deixou de queixo caído. :/
ResponderExcluirO cara matou a própria mulher por acreditar que ela realmente havia cometido algo muito errado ou por dinheiro, sei lá. Foi inesperado esse final. Muito bom!
Final inesperado e assustador!
ResponderExcluirPor que matou sua própria mulher?
Texto muito bem escrito e envolvente, levando o leitor à ânsia de saber o final!
Bravo!!!!
bjus
http://www.elianedelacerda.com
Adorei demais.... Que espetáculo de conto amigo Denis!
ResponderExcluirAdoro sua forma de escrever, admiro seu trabalho e sou fã de carteirinha...
Parabéns querido e muito sucesso em sua vida!
Esse é meu parceiro. Muito bom texto.
ResponderExcluirEu adoro contos e, definitivamente, esse foi espetacular! Parabéns! A clareza, o desenrolar, a ambientação e a história, incríveis! Ganhou uma seguidora!
ResponderExcluirAh, muito obrigado. Seja bem vinda ao meu espaço, Natalia. :)
ExcluirTexto bem escrito, gostei também da ilustração.
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