Dessa vez eu estava
sozinho, ninguém viera me ajudar a sepultar meu filho, pois já não me viam mais
como antes. Os moradores desta vila passaram a acreditar que eu era um sinal de
má sorte, que carregava comigo o espírito da morte. De meus próprios
pensamentos é tolice falar, já nem sei mais quem sou: um homem destruído pelas
almas lhe tiradas, os amores roubados, o emprego destituído e a falta de
vontade de viver. Inacreditavelmente, a causa das mortes ainda não foi descoberta,
apenas minha família foi afetada por esse mal súbito.
Tudo começou no inverno de 1989, quando eu e minha família nos preparávamos para o natal. Helena, minha esposa, tinha saído e Henrique e Pedro estavam na escola. Em casa, estávamos eu e Alexandre, meu filho mais velho, limpando e organizando os livros da nossa pequena biblioteca quando, subitamente, ele começou a rasgar as páginas dos livros e resmungar palavras sem sentido. A princípio achei que fosse algum tipo de brincadeira, mas logo percebi que seus olhos tremiam freneticamente e sua pupila estava dilatada. De repente, ele começou a comer as páginas soltas e eu, já tomado de pânico, tentava desesperadamente impedi-lo. Tomei tudo que estava em suas mãos e o arrastei para o sofá. Ele tremia e sua boca espumava enquanto ainda falava palavras aleatórias como: Rua, Setembro e Cruz.
Tudo começou no inverno de 1989, quando eu e minha família nos preparávamos para o natal. Helena, minha esposa, tinha saído e Henrique e Pedro estavam na escola. Em casa, estávamos eu e Alexandre, meu filho mais velho, limpando e organizando os livros da nossa pequena biblioteca quando, subitamente, ele começou a rasgar as páginas dos livros e resmungar palavras sem sentido. A princípio achei que fosse algum tipo de brincadeira, mas logo percebi que seus olhos tremiam freneticamente e sua pupila estava dilatada. De repente, ele começou a comer as páginas soltas e eu, já tomado de pânico, tentava desesperadamente impedi-lo. Tomei tudo que estava em suas mãos e o arrastei para o sofá. Ele tremia e sua boca espumava enquanto ainda falava palavras aleatórias como: Rua, Setembro e Cruz.
Corri para a sala de
jantar, onde estava o telefone mais próximo, mas não consegui completar a
ligação. Ouvi um estrondo na biblioteca e voltei correndo. Alexandre havia
quebrado o vidro da janela e cortado sua própria garganta.
Fiquei em estado de
choque. Meu menino, que sempre fora tão alegre e são, de repente comete
suicídio durante um súbito ataque de loucura. Não havia explicação para aquele
ato de total demência. Quando Helena chegou, a polícia já realizava a perícia e
desde esse dia minha esposa nunca mais foi a mesma. Estava sempre calada,
depressiva e nunca me olhava nos olhos. Em nenhum momento ela me culpou pelo
que aconteceu, mas também não me absolveu da culpa.
Por um ano e cinco
meses nossa família viveu silenciosamente, como em um luto prolongado. Helena
cada vez mais triste e reclusa no quarto. Certo dia, quando voltava de uma
caçada, encontrei-me com Felipe na estrada. Ele gritava e chorava: Papai! Papai! Mamãe está louca! Imediatamente,
coloquei-o no carro e fomos para casa.
Quando cheguei, o
corpo de Pedro estava estendido no chão do pátio com várias perfurações. O
sangue escorria por entre as frestas do piso de madeira e uma faca se
encontrava jogada ao seu lado. Tentei reanima-lo, mas era tarde demais, já
estava morto. Entrei então na casa à procura de Helena, mas não a encontrei,
liguei então para a polícia, que logo chegou.
Depois de alguma
busca, minha esposa foi encontrada perto da casa, no lago, também sem vida.
Afogada.
Abalado, passei
semanas tentando entender o que levaria Helena a matar nosso filho e depois se
matar. Depressão ou algum distúrbio psicológico, talvez. O fato era que só restávamos
eu e Felipe. E eu tinha que ser forte para cuidar dele sozinho após tantos
traumas.
Depois de algum
tempo, Felipe me contou que sua mãe, durante sua crise de loucura, pronunciava
três palavras repetidamente: Sete, Malta e Azul. Isso me deixou muito intrigado, pois Alexandre também teve o
mesmo comportamento antes de morrer.
A polícia já tinha me
interrogado diversas vezes, mas depois de alguns meses resolveram encerrar o caso.
Aparentemente concluíram que a culpada pela morte de Pedro não teria como pagar
pelo crime cometido, já que tinha se suicidado. No entanto, a população da vila
ainda tinham suas dúvidas quanto ao culpado e quando eu saía de casa todos olhavam
e comentavam sobre as mortes. Eu podia sentir os olhares que me crucificavam.
Certo dia me veio à
mente as palavras ditas por Alexandre e Helena e comecei organizá-las de modo
que fizessem algum sentido. O único resultado plausível foi:
Rua
Sete de Setembro, cruz de malta azul.
Na vila eu sabia que
não havia nenhuma rua com esse nome, então fui até Marília, a cidade mais
próxima. Lá, encontrei a tal Rua Sete de Setembro e, depois de algum tempo
caminhando e perguntando, me falaram de uma pequena loja de penhores no fim da
rua que possuía em sua fachada um brasão com uma cruz de malta.
Chegando lá, uma Cruz
de Malta azul realmente acompanhava os dizeres talhados em madeira:
Frederico Pantoja — Loja de Penhores
O que chamavam de
loja, na verdade, não passava de uma sala estreita e escura, abarrotada de
coisas velhas por todos os cantos. Prateleiras ocupavam praticamente todas as
paredes e nos fundos havia um balcão.
— Bem vindo à minha
humilde loja, senhor. No que posso ajudá-lo? Tenho relógios, livros e muitos outros
artefatos. — disse repentinamente um homem que se encontrava atrás do balcão.
Aparentava ter cerca
de sessenta anos, suas vestes estavam velhas e fumava um cachimbo bastante
comprido.
— Não vim aqui à
procura de artefatos, senhor. Na verdade, procuro respostas.
Ele então se levantou
e olho para mim, analisando dos pés à cabeça. Intencionalmente, expulsou um
tanto de fumaça em meu rosto e se sentou novamente.
— Não vendo respostas
aqui, meu rapaz. E não conheço nenhuma loja que o faça.
A atitude rude
daquele homem me irritou, mas não deixei transparecer meu incômodo. Eu
precisava dele.
— Gostaria de saber
se o senhor conhece uma mulher chamada Helena Vasconcelos? Ela já veio aqui
alguma vez?
Quando pronunciei o
nome da minha esposa o velho levantou seu olhar em minha direção e deixou
escapar um leve e silencioso sorriso de canto de boca.
— Então quer dizer
que finalmente a dívida foi cobrada? Eu já estava me cansando de esperar. —
disse com um suave sarcasmo.
— Esperar? Então o
senhor a conhece. O que minha esposa veio fazer aqui? E porque ela pronunciou
este lugar antes de sua morte?
Eu tinha muitas
perguntas a fazer e não conseguia organizar meu pensamento de forma que pudesse
explicar melhor a ele o que eu queria saber, de fato.
— Quando se pede um
favor ao Senhor da Morte, há que se
pagar um dia. Com juros.
Não entendi o que ele
dissera, mas continuei a ouvi-lo.
— Há alguns anos
atrás, sua esposa veio até mim pedindo ajuda. Disse que seu esposo estava muito
doente e que não poderia perdê-lo. Algumas pessoas ouvem os boatos e acreditam
neles. E sua mulher acreditou que eu pudesse ajudá-la.
— Eu realmente
estive muito doente, à beira da morte, por causa de um acidente vascular
cerebral. Passei semanas em estado de coma no hospital aqui de Marília. Os
médicos já me consideravam um caso perdido.
— Sim. Helena,
desesperada, veio até aqui dizendo que faria de tudo para que você fosse salvo.
Ela ofereceu sua própria vida em troca da sua.
Sempre fui um ateu
cético e ainda estava tentando entender toda aquela estória. E por mais que
minha razão duvidasse daquilo tudo, meus sentimentos eram levados a crer.
— Eu sou um velho
intermediador do destino. Faço tratos e acordos, mas não sou eu que cobro pelos
favores prestados. Quando Helena ofereceu sua própria vida em troca de sua
cura, ela sabia que um dia isso seria cobrado. O contrato era claro.
— Contrato? Do que
está falando?
O velho se levantou
novamente e subiu numa pequena escada para alcançar uma caixa no alto de uma
prateleira.
— Aqui está. — disse
abrindo a caixa e me mostrando um frasco de vidro com um dente dentro. — Esse
dente selou o pacto de sua esposa. Uma vez feito, não há como voltar atrás.
Reparei que na caixa
estava escrito o nome da minha esposa e tinha uma marca de sangue na tampa.
— Está querendo me
dizer que o senhor ofereceu um pacto demoníaco para minha esposa para que ela
trocasse sua vida pela minha enquanto eu estava doente? Isso não tem cabimento!
— Eu não ofereci. Ela
veio até mim e fez o pedido. Como eu disse, sou apenas um velho intermediador.
— Mesmo que eu acreditasse
em você, isso não explicaria o fato de dois filhos meus terem morrido também.
— Meu caro homem. Vejo
que você resiste à verdade. Mas o que aconteceu não poderá ser mudado. O Senhor da Morte cobra caro por seus
favores, como eu disse antes, com juros.
Não acreditei no que
dissera o tal Frederico Pantoja. Agradeci a ele por ter cedido um pouco do seu
tempo para mim e fui embora.
Dirigi cerca de duas
horas. Uma chuva intensa caía e quando me aproximei da vila percebi que parte
dela estava sem energia. Em frente minha casa, somente as luzes das sirenes
refletiam por entre as árvores. Alguma coisa havia acontecido.
O último dos três
filhos estava morto. A vizinha que tinha ficado responsável por ele enquanto eu
viajava relatou que ele simplesmente enlouqueceu: subiu em uma árvore no
quintal da casa e se agarrou nos fios de alta tensão.
♠♠♠
A vida me reservou
esse triste caminho e infelizmente eu não pude salvá-los, pois descobri tarde
demais o mundo sombrio que existe além do que eu acreditava. E agora, aqui,
sentado no túmulo do meu garoto, cogito a possibilidade de Frederico ter me
dito a verdade e amaldiçoo minha própria vida, que foi a causadora desse
maldito comércio de almas.
sério cara que malucooooo
ResponderExcluirgostih demais
eu nem sei o q falar sobre só sei que achei bastante criativo
s´p acho que o senhor da morte deveria ter visto que tudo isso ia causar sofrimento numa pessoa que nao tm nada a ver
tinha que restar algo alem de uma vida sofrida pra esse cara pelo menos na minha opinião
Acredito que a morte não possui sentimentos, e não liga para o sofrimento alheio. O conto apresenta o Senhor da Morte como uma espécie de barganhador. Ele realiza o pedido, mas cobra caro por isso. E Helena, em seu momento de desespero, não pensou nas consequências, ela só queria salvar o marido.
ResponderExcluirnossa meu fio, o que te deu na cabeça pra botar esse vermelho escarlate assim, tem pena dos leitores não é? HUAHUAHUAHUAHUAHUHA
ResponderExcluirNão, é sério, eu tentei ler aqui, só consegui algumas partes, eu achei interessante, mas nao consegui mesmo huehuhe
Voce escreve bem! ;)
Ananda Maciel ∞̕
Nossa, amei o texto, que estória maluca, mas é bem assim, muita gente não pensa na consequência de seus atos simplesmente quer algo naquele momento sem pensar no depois, uma pena 3 inocentes pagar pelos erros...
ExcluirMas isto nos faz pensar no nosso dia a dia...
Boa sorte!
Beijos
Lá
https://blogdalauana.wordpress.com
Obrigado pela observação Ananda, vou pensar numa reformulação do layout para melhorar a leitura. :D
ResponderExcluirNossa, ficou muito melhor agora, mesmo!
ResponderExcluirAinda bem que você entendeu, não é todo mundo que aproveita uma crítica pra melhorar e crescer, ganhou meu respeito.
Abraços!
Obrigado pela dica Ananda :)
ExcluirEsse texto me fez lembrar de 3 coisas que não tem nada a ver: me fez lembrar de um amigo que em 2 anos perdeu 5 pessoas da família, além do cachorro. Lembrei de Harry Potter e as Relíquias da Morte, por causa do Senhor da Morte e lembrei do livro "A menina que roubava livros".
ResponderExcluirEu sei que não tem coerência nenhuma nessas lembranças.
Bom texto