Caio e Alberto sempre disputaram tudo,
desde crianças. Pela atenção dos pais, por notas mais altas na escola, por
brinquedos e até por garotas. Alberto era muito estudioso e na escola sempre se
saía melhor que seu irmão, no entanto, Caio herdara a esperteza e o charme de seu
pai, e levara vantagem com as garotas. Na infância e adolescência eram
constantes as brigas entre os dois irmãos, todos os dias, e por qualquer
motivo. Caio sentia-se enciumado por achar que seus pais privilegiavam Alberto,
e de certa forma ele não estava errado, seu irmão sempre foi mais bajulado,
principalmente pela mãe.
Quando completou dezessete anos,
Alberto ganhou uma bolsa de estudo em Madrid e acabou se mudando para a
Espanha. Caio, livre de seu irmão rival, terminou apenas o ensino médio e investiu,
com a ajuda de seu pai, numa fábrica de móveis.
As coisas deram certo para ambos os
irmãos. Dez anos depois, Alberto retorna ao Brasil com seu título de Doutor em
Psicologia e encontra seu irmão, Caio, agora um empresário bem sucedido do ramo
moveleiro, que o recepciona com a mesma frieza com o qual se despediu anos
atrás.
Não havia mais a disputa por carinho
dos pais, nem pelos brinquedos, mas um grande problema começou quando Caio
soube que seu irmão estava saindo com Mariane, sua ex-namorada e eterno amor de
sua vida. Não foi intencional, Alberto não sabia o que havia acontecido entre
Mariane e seu irmão, e nem sabia que Caio ainda tentava reconquistá-la. Um mero
acaso do destino, que parece ter sido minunciosamente planejado aos fraternos
rivais e que desencadeou sentimentos avassaladores de ódio e ciúme em Caio.
Alberto era amaldiçoado por seu irmão,
que tentara diversas vezes falar com Mariane, mas foi completamente ignorado.
Caio estava acostumado a perder, mas não quando se tratava de mulheres, ele
sempre fora o melhor, o mais galanteador, o conquistador, enquanto Alberto
sempre fora um tímido desajeitado. E nesse caso, não era uma mulher qualquer,
era Mariane, com quem ele planejou casar e ter filhos.
Os sentimentos de inveja, ciúme e ódio
foram tomando conta do espírito de Caio, e ele tremia de raiva toda vez que via
seu irmão com sua ex-namorada ou quando alguém tocava no assunto. Caio entregou
a empresa nas mãos do gerente, já não tinha mais cabeça para o trabalho.
Isolou-se em seu apartamento, sozinho, tentando entender o porquê do Alberto, e
não ele ter sido escolhido por ela. Não obtivera resposta alguma e então
resolver acabar com aquela angústia de uma vez por todas. Se eu não posso ficar com ela, ele também não ficará — pensou.
Durante algumas semanas Caio procurou
contatos no mercado de armas ilegais, falou com policiais aposentados,
traficantes e pessoas de diversas índoles até encontrar Pablo, um negociante do
mercado negro que lhe ofereceu exatamente o que ele estava procurando: Um Fuzil 7,62mm, com silenciador e mira de
precisão.
O plano de Caio era simples. Alugaria
um apartamento próximo ao de seu irmão, de modo que pudesse enxergar a janela
do seu quarto. Esperaria ele aparecer na janela e o alvejaria com um tiro
silencioso e fatal. E aquele irmão que sempre atrapalhou sua vida estaria,
enfim, eliminado. E assim ele procedeu, pagou pela arma e a recebeu dias
depois. Foi para o seu sítio, aos arredores da cidade, e passou mais cinco dias
treinando tiro ao alvo, para que não corresse o risco de errar. Alugou um
apartamento com uma localização perfeita para o seu propósito, onde sua janela
estava a pouco mais de vinte metros da janela de seu irmão. Tudo o que planejou
estava sendo minunciosamente executado.
Chegou o dia. Caio ajustara o Fuzil no
tripé, mirado diretamente para a janela do quarto de Alberto. Ele sabia que seu
irmão saía do trabalho às oito horas da noite e que sempre vinha direto para
casa. A lua cheia facilitava sua visibilidade e faltavam apenas alguns minutos
para que tudo fosse resolvido. Ele chegou. Caio pôde ver o carro de seu irmão
dobrando a esquina e entrando na garagem do edifício. O suor escorria em sua
testa, estava nervoso, mas não iria desistir. Alberto já estava em seu quarto,
passou rapidamente pela janela, depois voltou e passou novamente sem camisa.
— Vamos irmãozinho querido. Facilite
as coisas para mim. — sussurrou para si mesmo.
Era agora. Alberto parou de pé em
frente à janela, na posição perfeita que Caio estava esperando. Puxou o
gatilho. O fuzil emitiu um barulho mudo e o vidro da janela do quarto de
Alberto se estilhaçou.
— Não! Não! O que você estava fazendo
aí! — Caio gritou desesperado.
Assim que puxou o gatilho ele percebeu
que Alberto não estava sozinho. Mariane estava lá naquele quarto e quando Caio
já não podia fazer nada ela abraçou seu irmão no momento que seu dedo já estava
a meio gatilho. Os dois foram atingidos. Seu irmão e sua amada.
Durante alguns segundos Caio
permaneceu imóvel, olhando para a janela sem vidro e a mancha de sangue que se
formou na parede do quarto de Alberto. O
que eu fiz? — pensou.
Ao perceber uma movimentação de
pessoas na rua devido aos cacos de vidro que caíram da janela, Caio guardou
rapidamente o fuzil e fugiu do apartamento levando consigo as provas daquele
crime. Foi para o sítio, enterrou a arma e tentou dormir, mas era impossível. Os
sentimentos de culpa e arrependimento estavam perfurando sua consciência. Ele
nunca imaginou que pudesse ser capaz de uma atrocidade daquelas, de matar seu
próprio irmão a sangue frio.
Alguns sentimentos brotam em nossas
vidas como sementes, e isso é inevitável já que nossa consciência é terra
fértil para qualquer tipo de semente. Essa fertilidade nos permite cultivar o
amor, a esperança, a solidariedade, o respeito, a compreensão e muitas outras
plantas que nos oferecem excelentes frutos, mas também nos permite cultivar
ervas daninhas, ortigas e outras que só nos trarão prejuízos.
Caio percebeu naquela noite que em
toda sua vida só cultivara sentimentos ruins dentro de si. Que a inveja e o
ciúme de seu irmão o tornaram um assassino e que nada que ele fizesse poderia
reparar a perda do seu irmão, da mulher que amava e nem a vergonha que sentiria
de seus pais.
Decidido, levantou-se de sua cama, foi
até a mata atrás da casa de campo, desenterrou o fuzil e voltou para o
apartamento onde cometera o crime. A rua estava tomada por policiais e
repórteres, mas ninguém o viu entrar no edifício ao lado. Já no apartamento,
Caio abriu a janela e subiu no parapeito da varanda abraçado ao fuzil. Alguns
segundos depois toda a imprensa já estava mirando suas câmeras para ele e os
policiais começaram a gritar no autofalante para que não se jogasse.
Caio não tinha mais dúvidas do que
iria fazer. Lançou-se do sétimo andar do Edifício Plaza Center, sob o olhar das
câmeras e das pessoas que estavam ali testemunhando aquele trágico desfecho.
Na mão esquerda do suicida, a polícia
encontrou um pequeno bilhete, escrito em papel de cigarro:
Desculpem-me meus pais, o Alberto era
realmente o melhor entre nós, pois soube cultivar em terra árida o que eu não
cultivei em terra fértil.
Caio
Vasconcelos
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Como sempre seus contos me surpreendendo. Fantástico!
ResponderExcluirO desfecho então nem se fala, gostei de mais.
Ansioso pelo próximo. Grande abraço!
Obrigado Cláudio, que bom que gostou.
ExcluirEm breve postarei outro.
Abraço.
Adoro ler contos :D
ResponderExcluirMas se o Vendedor de Sonhos estivesse ali, Caio não terminaria assim, pode ter certeza :T
Um beijo!
Pâm - www.interruptedreamer.com
Muito bom. Caio acabou se arrependendo no final e preferiu se matar a ter que viver com aquela culpa.
ResponderExcluirGostei muito. :)
Ana Carolina
véio.. forte hein?
ResponderExcluirPior que isto acontece muito por aí.
Pena que ele não se matou antes;
Muito bom;
Abraço
Acontece mesmo Cláudio.
ExcluirGrande abraço.
O conto ficou muito bom e o desfecho não gostei. Nas familias sempre tem os tipos que você citou.
ResponderExcluirMas sem duvida virei um fã do seu blog.
Abraço.
Rodrigo (ADM)
http://botecodeblogueiros.blogspot.com.br/
Maravilhoso, curto e simples. Mas com uma delicadeza nas palavras e o principal uma lição que muitos livros de 200 , 300 páginas não dão.
ResponderExcluirBelo conto, e obrigada por me proporcionar o prazer de ler os seus contos.
beijinhos da Lêeh
http://maetoescrevendo.blogspot.com.br/