MÁSCARAS

by 28.2.15 8 comentários

O último dia do mês de Fevereiro era sempre ansiosamente aguardado pelos poucos habitantes da pequena vila de San Martín. O vilarejo de poucas famílias, isolado no vale entre as montanhas do leste, nada tinha de especial. Com suas ruas tortuosas, calçadas de paralelepípedos e uma dezena de casas que circundavam uma velha igreja, a vila orgulhava-se do único e especial evento que organizavam anualmente. Felizardo aquele que visitava o Carnaval de San Martín!
Acontecia ao entardecer, quando a escuridão começava a adentrar pelos becos e as lamparinas iam se acendendo. Os foliões iam saindo de suas casas com seus tambores, flautas, banjos e trombones, e as serpentinas caiam dos postes ao som das músicas carnavalescas. Todos com suas fantasias extravagantes e obrigatórias, dos mais variados personagens. Havia Pierrôs, Colombinas, Arlequinas, Capitães, Corallinas, Coviellos, Bobos da corte e malabaristas que equilibravam objetos e cuspiam labaredas.  
Apesar de todos serem conhecidos, naquela noite ninguém sabia quem era quem. Era regra estar mascarado. Todos brincavam, cantavam e dançavam anonimamente e para garantir que a regra se cumprisse plenamente, um vigilante fantasiado de Gárgula ficava na entrada do vilarejo com uma estante cheia de máscaras para os viajantes que ali chegassem.
Era raro viajantes aparecerem por ali, mas naquela noite um rapaz se aproximou da vila seduzido pela música e as luzes do baile que podiam-se enxergar do alto das montanhas.
— Seja bem vindo ao Carnaval de San Martín, meu rapaz. Escolha sua máscara e seja quem você quiser.
O rapaz acenou com a cabeça e cogitou passar sem pegar a máscara, mas o vigilante o interceptou e voltou a repetir o chavão:
— Escolha sua máscara e seja quem você quiser.
O rapaz olhou desconfiado e voltou-se para a estante de máscaras.
— Eu posso pegar qualquer uma? Tenho que pagar?
— Escolha a que você quiser, são gratuitas e obrigatórias para se entrar na festa.
O rapaz coçou a cabeça e começou a observar as máscaras. Eram muitas e de todas as formas. Heróis, vilões, personagens carnavalescos, monstros, animais e até rostos de pessoas desconhecidas, mas entre todas, uma chamou sua atenção de modo especial. Jogada num canto da estante, havia uma máscara de vidro, completamente transparente.
— E esta, o que é? — perguntou o viajante intrigado com a máscara que não esconderia seu rosto.
— Essa é a máscara que te torna quem você realmente é. É a máscara que tira todas as máscaras.
— E qual é a graça de ser você mesmo no carnaval?
O vigilante aproximou-se, encostando sua fantasia levemente no ombro do viajante.
— Você sabe quem você realmente é? — disse com um sorriso cínico que podia-se perceber mesmo dentro da fantasia.
— Claro que sei! Como poderia não conhecer a mim mesmo?!
— Sorte a sua. Eu não teria coragem de usar essa máscara.
— Bobagem!
O viajante pegou a máscara e levou consigo, colocando-a já no meio da festa. Um a um, os foliões foram paralisando ao vê-lo. Os flautistas foram parando de tocar, os tambores se calando, os banjos tocaram o último acorde e as danças cessaram. Todos os olhares se voltaram para o viajante. Olhares que exalavam pavor, asco e uma sinistra inquietude. O carnaval, de repente, se tornou o mais sombrio dos ambientes. 

Era a primeira vez que viam alguém completamente sem máscaras.


Girotto Brito

Escritor

Poeta e contista, autor do livro "Os três lados da moeda: vida e morte em poesia" e colaborador em diversas antologias de contos.

8 comentários:

  1. Boa noite, Dênis.
    Muito bom texto.
    DE fato, as pessoas vivem usando máscaras diariamente, mas não deveriam, pois a melhor coisa é ser transparente, autêntico.
    Podemos até nos surpreender com quem somos e as pessoas também podem achar que somos uma coisa quando na realidade somos outras.
    Mascarar só fragiliza, esconde o nosso verdadeiro eu.
    Todos temos de mudar diariamente, procurar ser melhor a cada instante.
    Creio que se assustaram pois é tão comum o uso de máscaras, que parece uma aberração o oposto.
    Assim como o bem e o mal.
    O mal já está impregnado na sociedade, em muitos, para não generalizar.
    Quando alguém faz o bem, é motivo de espanto, assim como quando somos autênticos, uma vez que a falsidade rola solta por aí.
    Gostei do teu espaço, não sei se é de sua autoria, mas se for, parabéns.
    Já te seguindo.
    Obrigada pela visita e comentário deixado no meu blog pessoal Redescobrindo a Alma.

    Deixo um convite para visitar o blog onde escrevo nos dias 09 e 23 de cada mês, do poeta Hélder Gonçalves.
    Espero ler e responder ao teu comentário por lá.

    http://refugio-origens.blogspot.com.br/2015/02/nacao-em-prantos-by-patricia-pinna.html

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    1. Aqui neste blog todos os textos são de minha autoria, Patrícia. Agradeço imensamente sua visita. Descobri seu blog outro dia por acaso e gostei demais, estarei sempre voltando lá para ler seus textos e vou conhecer também esse outro que você me indicou. Grande abraço! :)

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  2. Olá Dênis, bom dia! Muito bom seu texto, faz refletir sobre a vida, viver é mesmo muito difícil, por isso as máscaras são normalmente usadas, mesmo porque não nos conhecemos completamente, né mesmo?
    Amo ser eu mesma sempre que posso, mas nem sempre, pois há situações que, se formos nos mostrar...
    Adoro escrever assim como você, esse conto ficou muito bom, fantasia no carnaval é essencial, mascarar também, pelo menos nesses dias podemos "descansar", rsrs, pois é!
    Obrigada pelo carinho da visita e comentário lá em um dos meus blogues!
    Abraços e prazer em te conhecer um pouquinho, voltarei para melhor interagirmos!

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    1. É verdade, Ivone. Máscaras algumas vezes são necessárias e nos habituamos a usá-las no cotidiano. Fico feliz que tenha gostado do texto e também pela sua presença aqui no meu espaço. Vou aguardá-la mais vezes para nos conhecermos melhor. Adorei seu blog. Abraços!

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  3. Ah, quando eu disse descansar no carnaval e usar máscara, isso é para quem não a usa o ano inteiro, infelizmente tem os que não a tiram por nada!

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  4. Ótimo blog com textos criativos como esse, adorei o jeito diferente que abordaste esse assunto muito debatido, sobre ser quem você é ou esconder-se atrás de máscaras... E sobre como chega ser assustador ser você mesmo. Parabéns.
    Abraços.

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    1. Obrigado pelo elogio e também pela visita, Lu. Abraços!

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