A cena que encontramos quando
chegamos à beira da Lagoa Morgat foi de completa destruição. Do antigo galpão
em construção restaram poucas paredes em pé, ferragens e máquinas se amontoavam
retorcidas e ainda quente, derramando óleo no chão de terra vermelha, revirada.
Minha equipe fazia a vistoria do local à procura de sobreviventes ou, pelo
menos, alguma informação relevante que pudesse nos servir. À pouco mais de
trinta horas, notícias assustadoras se espalhavam na internet sobre máquinas de
guerra, em várias parte do mundo, que invadiam cidades e vilas, destruindo sem
qualquer justificativa qualquer forma de vida que encontrassem pela frente. Eu
mesmo cheguei a assistir alguns vídeos amadores postados na rede que mostravam
os ciborgues em verdadeiras cenas de guerra, embora a qualidade ruim dos vídeos
não deixassem distinguir com exatidão como são essas máquinas. Os ataques
aconteciam em vários países ao mesmo tempo e os governos convocaram as forças
armadas para combater essa ameaça.
Dois dias à procura dessas
máquinas e nenhum confronto direto com soldados tinha sido registrado até esse
momento em nosso país. De alguma forma ainda desconhecida eles apareciam e
devastavam cidades pequenas, ainda desprotegidas, mas tudo indica que dessa vez
um grupo de soldados havia chegado no exato momento em que os ciborgues
migravam para a cidade de Monsenhor Acan, interceptando-os no caminho, aqui, na
beira da lagoa. Embora não haja corpos ou qualquer vestígio da presença de
militares no local, os sinais de que houve aqui uma batalha são visíveis, e nos
informaram por rádio, há vinte minutos, que uma equipe do esquadrão Centauro
não retorna contato há mais de quatro horas.
— Comandante! Comandante! Venha
ver o que encontramos. — gritou um soldado das ruínas do galpão.
Terminei de enviar uma mensagem ao
centro de comando e fui até o local onde soldados se aglomeravam para ler um
texto rabiscado numa das paredes que ficaram em pé. Escrito com uma lasca de
carvão no reboco da parede de um cômodo que parecia ser um banheiro, o texto
era mais que um diário, era o registro de tudo que havia acontecido ali.
Não sei o que
vai acontecer em poucos minutos, mas acredito que não sairemos vivos daqui.
Estamos, eu e meu irmão, abrigados nesse galpão enquanto uma batalha
inimaginável acontece lá fora. Estávamos na lagoa, nadando como de costume, eu,
meu irmão mais novo que ainda é um criança e alguns amigos que lá ficaram.
Leandro, outro amigo, chegou e me chamou para virmos até este galpão.
Atravessamos a lagoa a nado, e quando chegamos nessa margem percebemos
movimentações entre as árvores, nos dois lados da água. Subitamente as árvores
começaram a tombar e foram surgindo muitas máquinas, robôs, ou seja lá o que
são essas coisas. Umas menores, quase do meu tamanho, outras enormes, como
carros ou vãs. Eu corri para cá e me escondi no cômodo ao lado e fiquei
espiando por trás de uma parede. As máquinas chegaram primeiro ao lado oposto
da lagoa e foram matando um por um dos meus amigos que estavam lá. Eles
tentaram correr, fugir, mas em vão. Fiquei desesperado, achei que meu irmão
estivesse lá, mas não, ele havia me seguido e quando percebi estava aqui perto.
Corri para pegá-lo. Detrás do galpão veio um grupo de soldados, acho que uns
vinte, e começou uma guerra dos diabos. Agarrei meu irmão e corremos para cá,
entre tiros, granadas e explosões. Os robôs estavam próximos. Um soldado ajudou
a gente e nos trouxe para este cômodo. Meu irmão chora sem parar, está com medo.
Eu tento acalmá-lo, mas também não consigo disfarçar meu pavor. O soldado está
aqui com a gente, vigiando, parece qu..
... uma
máquina entrou e o matou. Consegui me livrar dela, mas estou ferido. usei a
arma do soldado, é a primeira vez que uso uma arma. Atirei várias vezes, e só
tive êxito porque era uma máquina pequena e acertei um tubo em seu dorso que
parece ser vital para o seu funcionamento.
As paredes da
frente do galpão desmoronaram. Os tiros estão diminuindo, parece que a maioria
dos soldados morreram. Não vai demorar até que nos encontrem aqui. Meu irmão
dormiu, ou desmaiou, não sei. A parede já está quase sem espaço para continuar
escrevendo, embora ainda tenha bastante carvão aqui para rabis...
... eles
estão entrando no galpão. Parecem conversar na nossa língua. Ouvi algo como
"... eliminem os corpos". Agora dizem "... daremos um novo
propósito a esse mundo".
Eles estão
vindo...
O texto termina aí. Impossível não ficar emocionado
lendo um relato como esse e imaginar pelo que passaram esses irmãos. Provavelmente
foram mortos, mas deixaram um importante relato sobre o que havia acontecido ali.
— Comandante, estão te chamando no rádio. É de
Monsenhor Acan. — disse o Cabo Fernandes me trazendo o aparelho.
— As notícias não são boas, comandante, — falava
ofegante um informante pelo rádio — a cidade foi tomada, as máquinas apareceram
e saíram arrebentando tudo. A maioria dos nossos homens estão mortos e os que
sobreviveram estão escondidos. Nossas armas foram inúteis. Abatemos no máximo
oito deles, mas perdemos uns duzentos homens para isso.
— Calma, soldado! Tenha calma. Estou com poucos homens
aqui, mas vamos para aí ajudar. Qual a sua localização?
— ...
— Soldados?
— ...
— Soldado, qual a sua localização?
— ...
Não houve resposta. Juntei meus homens e
expliquei-lhes a situação. Estavam todos apavorados. Não foram treinados para
combater esse tipo de inimigo. Na verdade, sequer foram treinados para uma
guerra. A situação do país sempre foi tão tranquila que os treinamentos de
combate de muitos esquadrões resumiam-se a aparar a grama dos quartéis e provas
de tiro ao alvo uma ou duas vezes por mês. Raramente havia algum treinamento
especial que exigisse mais que isso e, quando havia, poucos eram selecionados
para participar. Eu estava entre esses poucos. Encorajei-os. Nossas mulheres,
nossos filhos, nossos amigos... todos dependiam de nós. Éramos a esperança para
aqueles que ainda não tinham sido mortos.
Em meia hora já estávamos nos carros, chegando a
Monsenhor Acan. No caminho, carros pareciam virados do avesso, retorcidos.
Tivemos que descer e seguir a pé, pois a estrada estava completamente
interditada por árvores tomadas, carros capotados — muitos em chamas —, motos
caídas, bicicletas abandonadas e a maioria das casas completamente destruídas.
Nenhuma pessoa nas ruas, absolutamente nenhuma. Nem viva, nem morta. Uma
situação inimaginável. Uma realidade distópica. Percorremos os escombros, mas
nada, nenhuma alma parecia ter escapado ao ataque e não conseguíamos imaginar
como conseguiram fazer sumir tanta gente.
De repente, no horizonte, avistamos uma movimentação
longínqua que despertou um brilho súbito nos olhos dos homens que estavam
comigo. Forçamos nossas visões para tentar reconhecer o que era. Alguns
chegaram a afirmar que eram as pessoas retornando para a cidade. Os homens se
levantaram e chegaram a esboçar, por alguns segundos, uma ponta de alegria. Mas
em vão. Não demorou para que percebêssemos que não eram humanos, eram máquinas,
de todos os tipos. Alguns soldados começaram a correr na direção contrária, mas
pararam. Estávamos cercados.
Se ainda existia ânimo e esperança entre meus homens,
se fora naquele momento. Todos sentaram, choraram e rezaram por si e por suas
famílias. Inclusive eu.
Amigo Dênis, conto frenético, nossa, li em estado de tensão, pois é, acho que seu conto nos mostra o que poderemos ter no futuro bem próximo, máquinas matando os seres humanos, tal qual os filmes de ficção!
ResponderExcluirMuito bom, gostei de ler!
Abraços amigo criativo!
Que bom que gostou, amiga. Costumo postar mais poemas, mas de vez em quando escrevo um conto. Obrigado pela visita. Abraços!
ResponderExcluirCara que ótimo conto! Parabéns.
ResponderExcluirDeveria continuar e escrever mais uns capítulos deste conto afim de explicar algumas outras coisas, Pois tá bastante interessante esse conto. nos deixou bastante curioso sobre essa realidade distópica, sobre os robôs e me deixou curioso sobre a intenção deles.. rs
Abraços.
entreacanetaeopapel.wordpress.com