Joseph Finder nasceu num pequeno vilarejo ao norte de
Virgínea, onde as pessoas são simples, a comida é boa e todos contam vantagens
da excelente hospitalidade daquele lugar. Nunca conheceu sua mãe, e seu pai
morrera quando ele ainda era uma criança. Foi criado por sua avó paterna, Amélia
Finder, que lhe ensinou tudo que precisava para poder desenvolver-se sozinho na
juventude. Apesar dos mimos que sempre teve durante sua infância, Joseph nunca
tinha jogado futebol, nem nadado, ou sequer praticado algum outro tipo de
atividade que exigisse esforço físico demasiado, tudo isso porque ele havia
nascido com uma rara doença cardíaca que poderia matá-lo a qualquer momento.
Não foi fácil para ele viver uma infância onde não podia aproveitar os prazeres
dessa maravilhosa fase. Em compensação, Joseph se tornou um excelente
enxadrista, escritor e músico. Atividades que não lhe exigiam esforço físico
algum. Seus livros passaram a ser vendidos em todo o país e em alguns anos ele
passou a ser dono de uma pequena fortuna. Mudou-se então para Fender, uma
grande metrópole, e abriu sua própria editora.
Apesar do sucesso profissional, nunca teve êxito na
vida amorosa. Sempre que conhecia alguém e se apaixonava, o namoro acabava sendo
um desastre, simplesmente porque Joseph sempre passava mal quando tentava manter
relações com suas parceiras. Seu coração era uma chave que fechava as portas de
todas as possibilidades amorosas. Depois de um tempo, desestimulado pelos
sucessivos fracassos, ele parou de tentar.
As coisas estavam bem, até o diagnóstico que seu
médico deu há três meses:
— Sinto muito Sr. Finder, os últimos exames apontaram
que seu coração não está mais respondendo ao tratamento e já não estamos mais
conseguindo conter a dilatação como antes.
— Isso quer dizer que vou morrer?
— Não sabemos exatamente quando, mas estimo que tenha
mais três meses de vida, no máximo. Isso se continuar fazendo o tratamento.
Nunca Joseph se sentiu tão desorientado quanto naquele
momento. Voltou para sua casa e lá ficou trancado por eternos cinco dias, pensando,
chorando, se lamentando e até sorrindo desesperadamente daquela situação. No
fim das contas, não havia nada que ele pudesse fazer, ou havia? Sim, havia!
Joseph percebeu que nunca esteve vivo realmente. Nunca sentiu aquela sensação
de extrema felicidade por fazer um gol, por conseguir atravessar uma piscina
nadando, por brincar de pega-pega com
outras crianças, por correr atrás de pipa ou mesmo por proporcionar prazer a
uma mulher na cama. Ele sempre lutou para sobreviver, mas nunca para viver.
Decidiu então que faria três coisas, que sempre teve
vontade, antes de morrer: Jogaria uma partida de futebol na Inglaterra; faria
sexo com uma francesa; e correria no deserto do Saara.
Na semana seguinte, Joseph já estava no avião rumo à
Inglaterra. Chegou por volta de sete horas da manhã em Londres e não perdeu
tempo, procurou a direção do clube de futebol Aston Vila e explicou sua
situação e seu desejo. O diretor do clube foi extremamente compreensivo e
autorizou que ele jogasse os quinze primeiros minutos da partida contra o
Sunderland, no dia seguinte, acompanhado de uma equipe médica.
Joseph não conseguir jogar os quinze minutos completos,
mas os seis que jogou foi o suficiente para sentir o enorme prazer de estar em
um ali, cercado por milhares de torcedores que o incentivavam, mesmo vendo que
ele era horrível com a bola nos pés. Ele não jogou por dinheiro, nem por fama e
muito menos por mulheres. Joseph jogou porque aquilo o fazia feliz.
No dia seguinte, viajou de trem pelo canal da mancha
até Calais, ao norte da França, onde se instalou num albergue. A noite naquela cidade era repleta de
atrativos para marinheiros, prostitutas circulavam em muitas esquinas e havia
bordéis por toda a cidade, principalmente próximo ao porto. Joseph foi ao L’apollonidé,
o bordel mais luxuoso de Calais, onde frequentavam autoridades, empresários e
grandes industriais. Ele não estava preocupado com o que ia gastar, afinal,
estava próximo de seu fim e não tinha herdeiros para deixar o que havia
adquirido em sua vida.
Lá no L’apollonidé, Joseph conheceu Marrie, uma mulher
divinamente linda e atenciosa, com quem passou a melhor de todas as suas
noites, apesar de ter passado mal e ser levado ao hospital local. Mas isso não
importava, pois pela primeira vez Joseph conseguiu levar uma mulher ao orgasmo,
e não há dor no mundo que lhe faça esquecer esse prazer.
Ficou internado por três dias, e pensou até que não
conseguiria realizar seu último desejo, mas enfim recebeu alta e pôde pegar o primeiro
voo para o Egito, de onde alugou um carro e dirigiu até a África. Acampou numa
pequena vila na região de Sahel. Consigo levou apenas uma mochila com alguns
sanduíches e um cantil de água.
Amanheceu o dia e Joseph começou a correr, em ritmo
lento, mas sem parar. Ele sabia que aquela seria a última corrida de sua vida,
e de certa forma também a primeira. Perdia o fôlego, parava, descansava e voltava
a correr. Por vezes sentiu fortes dores que o derrubaram nas areias do deserto,
mas ele esperava, se levantava e voltava a correr. Sempre em frente, rumo a
um destino que não conhecia. Pensava no que já vivera até ali e tinha a certeza
de que seus últimos dias tinham sido os melhores que já vivera.
A paisagem era única, encantadora e selvagem. O azul
do céu em contraste ao amarelo alaranjado da areia escaldante produzia um
cenário fantástico. Nem o calor, nem o cansado, nem as dores diminuíam o prazer
de estar ali, de correr como nunca havia corrido em sua vida, como uma criança.
Parou duas ou três vezes para comer e beber à pequena
sombra de uma árvore retorcida e quase sem folhas, solitária no deserto. Não
economizou água nem comida, comeu o suficiente para satisfazê-lo e voltou a
correr.
A noite chegou e trouxe o vento frio junto a ela, que
cortava sua carne provocando-lhe dor nos ossos. Não havia abrigo, nem agasalho.
Passou a noite sem conseguir dormir,
ajeitando-se para lá e para cá, procurando uma posição que lhe permitisse ficar
aquecido de alguma forma, mas em vão. Quando o dia amanheceu, Joseph sentiu uma
enorme felicidade à medida que o calor invadia seu corpo. Levantou-se, comeu o
último sanduíche, bebeu o que restava da água e correu, na mesma enigmática
direção, parando, caindo e se levantando toda vez que seu coração ameaçava
acabar com aquilo tudo.
Passou-lhe pela cabeça que a noite de frio não fora
tão ruim quando o calor começou a queimar sua pele que estava protegida apenas
por uma fina roupa de algodão. A areia que entrara em seus sapatos feria seus
pés à medida que corria, e o sangue já marcava a areia a cada passo dado.
Joseph já não corria mais, andava apenas, vagarosamente, com fome, sede, sem
forças.
Em certo momento daquele dia, o forte calor já não era
mais um incômodo, nem as bolhas que já ameaçavam emergir em seus ombros. A água
do seu cantil já havia desaparecido há mais de trinta horas e a secura em sua
garganta somada à imensidão do deserto que o rodeava era desesperador. Ao olhar
para trás, Joseph só via o rastro de sangue que seus pés deixaram na areia e
que lhe mostravam o caminho de volta, o qual ele tinha certeza que não
seguiria. Lembrou então das estórias que sua avó contava quando criança, do
viajante do deserto que sempre encontrava um oásis quando já estava à beira da
morte.
— Não há oásis para homens como eu, minha avó? —
murmurou para si mesmo, com esperança que sua avó pudesse ouvi-lo, aonde quer
que ela estivesse.
Joseph já não aguentava mais. Seu corpo tinha chegado
ao limite. Então, para celebrar sua realização, ele usou de suas últimas forças
e voltou a correr, e correu cada vez mais rápido, como nunca havia corrido em
toda sua vida. Correu para agradecer por ter tido tempo de se realizar nesta
vida.
De repente sentiu um estalo seguido de uma dor
imensurável. Caiu estatelado de bruços, arrastando seu rosto na areia. Havia
chegado a hora, ele sabia. Sua visão começava a ficar embaçada, e observou que
havia um pequeno lagarto ali próximo. Sussurrou então aquela criatura suas últimas palavras:
— Enfim você viveu, Joseph Finder.
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Parabéns,
ResponderExcluirBelíssimo conto!!
Obrigado Cristiane, que bom que gostou!
ExcluirGenial!
ResponderExcluirGrande determinação do personagem.
Morreu, mas morreu realizado.
Histórias, estórias e outras polêmicas
Genial?!? Nossa, fico muito feliz por ser elogiado por um colega escritor. Obrigado e um grande abraço Chamun!
ExcluirCara, esse conto leva a uma profunda reflexão sobre o que realmente é importante em nossas vidas. E esse Joseph finder soube aproveitar seus últimos dias para se realizar enquanto vivo. Muito bom!
ResponderExcluirCaptou bem a ideia do texto Cláudio. Obrigado pela participação! :)
ExcluirMeus olhos estão suando rsrssr
ResponderExcluirO que mais gosto nos seus contos, é que me prende totalmente, do começo ao fim.
Parabéns Dênis.
Obrigado Paola :)
ExcluirCada dia melhor Denis, me emocionei!!!
ResponderExcluirObrigado minha amiga.
ExcluirFico feliz que tenha gostado.