Fernando comemorava um gol do Bragantino, seu time de futebol do coração, quando recebeu uma ligação do seu chefe.
— Você precisa ir até Santa Luzia. Há muito tempo
chega rumores de graves casos de violência naquela vila, mas nenhum jornal até
agora foi investigar e fazer a cobertura necessária.
— Mas, chefe! Falaram-me que a estrada de acesso para
lá está horrível: muita lama, buracos e pontes quebradas. Tem certeza que é
realmente rentável essa matéria?
— Saberemos quando a matéria estiver publicada. Agora,
só quero que vá até lá e faça uma investigação minuciosa dos recentes
assassinatos ocorridos. Suspeitam que alguém está tentando abafar o caso.
O jornalista sabia que era inútil tentar fazer com que
Marcos, seu chefe, mudasse de ideia. Era teimoso como uma mula. Então aceitou
fazer a tal matéria e imediatamente ligou para Camila, sua assistente.
— Boa noite princesa, temos uma matéria para amanhã.
Está a fim?
— Claro. Onde?
— Na vila de Santa Luzia.
— Ai meu Deus! Não tinha um lugar mais perto?
— Não tive escolha. O chefe foi irredutível. Prepare
suas coisas que sairemos amanhã bem cedo.
— Tudo bem.
♠♠♠
Era por volta de seis e vinte da manhã quando saíram
rumo à desconhecida vila. Segundo o mapa, teriam que viajar cerca de duzentos e
dez quilômetros e como tinham imaginado, a estrada estava em péssimas
condições. As chuvas constantes daqueles dias contribuiu para deixar ainda mais
precária a situação da via. No entanto, Fernando e Camila foram preparados, com
uma camionete equipada com tração nas quatro rodas e muitas ferramentas, para
caso precisassem.
A viagem durou eternas oito horas e chegaram exaustos
em Santa Luzia. A primeira impressão que tiveram da vila foi de total abandono.
As ruas estavam desertas, os bares vazios, não havia escolas e percebia-se que
olhares os seguiam por entre janelas entreabertas. A pouca movimentação que se
via era na capela, próximo à praça central.
Hospedaram-se em um pequeno albergue, cujo dono era um
idoso que dizia não receber hóspedes há meses. Seu olhar estava sempre voltado
para a porta de entrada, como se temesse a visita de alguém.
— Tenho apenas um quarto disponível, tem algum
problema para vocês?
— Não vejo problema nenhum. Mas tem duas camas no
quarto? — perguntou Fernando.
— Não. Apenas uma cama de casal.
Fernando e Camila se olharam e fizeram aquela
conhecida expressão de “É o jeito, né?”, e foram colocar suas coisas no quarto,
tomar seus banhos e descansar.
Era madrugada quando Fernando acordou com os toques
suaves de Camila. Ela acariciava seu corpo e disse baixinho em seu ouvido: Não
me pergunte nada, apenas curta. E começaram a se amar intensamente sob a
cortante faixa de luz do luar que entrava pela vidraça embaçada. Nem o frio
impedia o suor que lhes escorria por seus corpos nus.
Quando terminaram, ele sentou-se e
tomou três doses de Whisky enquanto apreciava a beleza de Camila,
que já dormia. Logo Fernando foi se deitar também.
Acordou tarde, por volta de nove horas, e
confuso, provavelmente devido ao efeito do Whisky. Camila ainda estava ao seu
lado, dormindo. Fernando, então, foi se levantando para ir ao banheiro quando
percebeu que havia algo de errado. Quando puxou o lençol, Fernando ficou
horrorizado com o que viu: A cama estava molhada de sangue e sua
assistente, morta, com suas vísceras escapando pelo largo corte em seu
abdômen. Assustado, o jornalista procurou pela presença de mais alguém no
quarto e no banheiro, mas em vão, não havia ninguém, nem sinais de arrombamento
nas janelas e portas. Quem quer que seja que tenha assassinado Camila possuía a
chave do quarto. E mais, tinha feito isso para assustá-lo, já que teve a
oportunidade de também o matar, mas não o fez.
Quando saiu do quarto à procura de ajuda, não
encontrou o dono do albergue na recepção, e em nenhum outro lugar. Não havia
ninguém na rua e as casas estavam fechadas. Fernando correu por algumas ruas
até que chegou à praça e viu algumas pessoas entrando na igreja. Gritou por
socorro várias vezes, mas foi ignorado. Os habitantes simplesmente entraram na
capela e fecharam as portas para ele. Na vila não havia policiais, então não
adiantaria procurar pela delegacia. Fernando lembrou então que, certo dia, seu
chefe tinha falado que, apesar de Santa Luzia não ser oficialmente uma cidade,
havia um prefeito que tomava conta da vila. Procurou então pela prefeitura.
Estava ali, há três ruas da capela, uma construção grande e antiga, com seis
homens guardando a porta de entrada.
— Preciso falar com o prefeito, é urgente! Minha
assistente foi assassinada durante a noite. — disse aos guardas com o tom de
voz alterado.
— Pode entrar jornalista. O prefeito soube da sua
chegada a nossa vila e estava aguardando sua visita. — falou um dos homens da
guarda.
Fernando foi acompanhado pelos corredores escuros do
prédio até chegar à sala do prefeito.
— Que bom que pôde me receber prefeito, a minha
assist...
— Bom dia jornalista! — interrompeu o prefeito — O que
veio fazer aqui em nossa humilde vila?
— Bom dia. Eu vim fazer uma matéria sobre os casos de
violência cujos boatos já chegaram à capital. Mas isso agora não vem ao caso, o
fato é que minha assistente, Camila, foi assassinada esta noite.
— É verdade que em nossa vila têm acontecido alguns
casos violentos meu rapaz, no entanto, não vejo a necessidade da imprensa vir
fazer essas matérias inúteis. Eu, Júlio Barbosa, como prefeito de Santa Luzia,
sei cuidar muito bem dos problemas daqui.
— Não duvido disso senhor. Mas preciso que me ajude a
resolver o meu problema. Alguém matou minha assistente e eu quero que descubra
quem foi e o prendam!
O prefeito riu com tom irônico e se aproximou de
Fernando.
— Esta vila, como todas as outras, é movida pelo poder
meu caro. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Já ouviu esse ditado?
Cheguei aqui há trinta anos e encontrei um povo pobre e padecendo com sua
miséria física e intelectual. Eu os salvei de si mesmos! Dei segurança, abrigo
e fé a todos eles, e só o que eu peço em troca é lealdade e respeito. O medo é
uma poderosa arma jornalista, quem domina o medo, tem o poder nas mãos. Qual é
mesmo o seu nome?
— Fernando Araújo, senhor.
— Pois bem, Fernando. Prometo que irei ajudá-lo a
encontrar o autor dessa barbaridade que fizeram com sua assistente. Não se
preocupe. Por hora, volte para o albergue, arrume suas coisas e vá para sua
cidade. Deixa que eu cuide de tudo.
— Tudo bem. Mas eu não descansarei enquanto não
descobrir quem matou Camila. Voltarei aqui com a polícia federal se for
preciso. E quero que envie o corpo dela para minha cidade, para ser dignamente
sepultada.
— Como quiser. — respondeu o prefeito com um leve
sorriso no canto da boca.
Fernando voltou para o albergue e começou a arrumar
suas coisas. O corpo nu de Camila ainda estava estendido na cama enquanto
moscas a rodeavam. O jornalista lembrou-se do sexo da madrugada e de todos os
momentos bons que viveu ao seu lado, de como ela o ajudava em sua vida
profissional e lamentou por uma mulher tão jovem e bonita acabar sua vida
naquela situação.
Suas coisas já estavam na mala e Fernando se preparava
para ir embora quando ouviu a porta do quarto bater. Alguém havia a trancado
por fora. Ele tentou arrombá-la, mas foi inútil, a porta era feita de madeira
maciça e muito resistente. Correu então para a janela, mas também estava
travada e ele não conseguiu abrir. De repente, pelas frestas do assoalho uma
fumaça escura começou a tomar conta do quarto. Estavam incendiando o albergue —
pensou. Desesperadamente, Fernando tentava arrombar a porta, mas suas forças
foram se esvaindo à medida que a fumaça entrava em seus pulmões.
Ele já não se sustentava mais em pé. Arrastou-se até a
janela e com o pouco de força que restava se levantou, e foi aí então que
conseguiu ver, pela pequena vidraça, o prefeito, postado à frente de algumas
dezenas de moradores que ele ainda não os tinha visto fora de suas casas, todos
assistindo ao seu trágico fim.
Fernando então entendeu seu papel ali. Ele era o exemplo.
Ilustração de Dênis Girotto de Brito.
obrigadaaaaaaa
ResponderExcluirAdoro a riqueza de detalhes!!!
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