O GANHADOR

by 12.3.14 6 comentários

O dinheiro sempre foi, para mim, uma utopia. Nascido em família pobre, eu, Frederico das Chagas, vivi de migalhas durante toda minha vida, e por ter que trabalhar exaustivamente para garantir meu sustento e de meu adoecido pai, não consegui estudar o suficiente para conseguir um bom emprego. Minha família é constituída apenas por mim e meu pai, Francisco das Chagas que, ironicamente, contraiu a Doença de Chagas há dez anos e vêm lutando contra a morte desde então. Minha mãe faleceu quando eu ainda era muito novo, não me lembro dela, e eu, sem mãe e com o pai doente, tive que começar a trabalhar muito cedo.
Há alguns anos, diante de um início de infarto, meu pai achando que não passaria daquele dia me chamou em seu leito no hospital e me disse: “Filho, não passe toda sua vida trabalhando como operário. Enriqueça! Custe o que custar. O dinheiro lhe trará a vida que almeja”. Aquele dia foi marcante para mim. Eu decidi naquele momento que seria rico, só não sabia como. Sem estudo, qualquer trabalho que me dessem seria com baixíssimo salário, eu não tinha dinheiro para montar meu próprio negócio, então, certo dia, andando pelo comércio da Rua 13 de Maio, entrei em uma casa lotérica e fiz minha primeira aposta. Desse dia em diante me tornei um jogador e passei a economizar os centavos que ganhava para jogar toda semana na loteria.
Apostar é uma tarefa que requer muita determinação, autocontrole e paciência. Determinação para abdicar de muitas coisas para poupar dinheiro para as apostas; autocontrole para que não se endivide gastando o que não tem; e principalmente paciência, já que não se pode ter a certeza de quando — ou se — vai ganhar.
Eu passei exatos sete anos, nove meses e três dias apostando semanalmente, e pensei muitas vezes em desistir, todavia fui perseverante. E ontem, quando fui conferir o resultado da minha última aposta, meu coração quase explodiu de euforia, apesar das pessoas ao meu redor não terem percebido absolutamente nenhuma reação da minha parte. Estava lá: 7 – 11 – 13 – 23 – 47. Eu tinha acabado de me tornar um multimilionário! A sorte sorriu para mim e me recompensou pelos anos de sacrifício.
Não contei a ninguém, pois quando se trata de dinheiro a ambição corrompe o homem como a ferrugem oxida o ferro. Nenhum amigo, vizinho ou conhecido ficou sabendo da minha sorte, nem mesmo meu pai. Não que eu desconfiasse do meu genitor, mas queria poupar seu pobre coração que poderia não aguentar tal notícia. Apenas fui para casa, tomei um bom banho, escolhi a melhor roupa entre as poucas que possuo, coloquei meu bilhete premiado na carteira e fui para o banco.
Os olhares das pessoas na rua pareciam me perseguir, como se soubessem do meu triunfo. Apressei o passo, meu coração estava palpitante e me sentia amedrontado. Não foi nem vinte minutos de casa até o banco e ao entrar me senti mais seguro. As câmeras, os seguranças e os vidros blindados me fizeram relaxar um pouco.
O Gerente era um senhor de cabelos brancos, gordinho e de fisionomia serena. Um pouco parecido com meu pai.
— Bom dia, no que posso ajudá-lo? — indagou-me o simpático gerente.
Eu debrucei sobre sua mesa de modo a ficar mais próximo dele e disse baixinho:
— Bom dia, eu ganhei o prêmio da loteria e gostaria de resgatar esse dinheiro e depositar na minha conta.
— Venha comigo. — disse o gerente e me levou para uma sala particular. — Primeiramente eu quero lhe dar os parabéns, meu rapaz! Que sorte, hein? Está com o bilhete premiado aí para que eu possa conferir?
— Obrigado, estou sim.
Ele pegou o bilhete e conferiu número por número. Estava tudo certo. Eu era o ganhador. E após uma rápida consulta no sistema do banco, ele me disse que eu não só era um ganhador como eu era o único ganhador. Levei o prêmio sozinho!
— Certo. Preciso que você retorne amanhã com cópias dos seus documentos, Senhor Frederico. E traga também o bilhete premiado. Cuidado com ele, se possível não conte aos seus conhecidos que você ganhou, pois desperta muita cobiça, até mesmo daqueles que achamos que nunca nos faria mal algum.
— Sim senhor. Ninguém além de nós dois sabe que eu ganhei. Estarei aqui amanhã às nove, sem falta.
Guardei meu bilhete e voltei para casa. Já fazia planos de como iria aproveitar todo esse dinheiro: Compraria alguns imóveis, um para morar e outros para alugar; Compraria um carro e uma moto, talvez um barco; Viajaria para Fortaleza, Natal, Buenos Aires, Londres e outros lugares que sempre tive vontade de conhecer; Voltaria a estudar; Abriria uma empresa; Procuraria um especialista em investimentos; Pagaria os melhores tratamentos para a doença do meu pai. Enfim, com o prêmio de vinte e quatro milhões daria para fazer muitas coisas que antes seria impossível.
 Pouco dormi nessa noite, todo aquele sentimento de euforia, medo e alegria me deixaram elétrico. Meu pai chegou a estranhar meu comportamento, mas eu desconversei e disse que não era nada.
Às nove da manhã, em ponto, eu já estava no banco e o simpático gerente já me aguardava em sua mesa e me recebeu muito bem. Entreguei as cópias dos meus documentos a ele e preenchi alguns formulários. Depois de assinar tudo que era necessário, ele me chamou para ir à sua sala tomar um café, e eu, naquele momento tão feliz em minha vida, não rejeitei o convite. Quando cheguei à sala da gerência, estranhei a presença de dois seguranças e tentei voltar, mas mal me virei e fui golpeado por um deles.
 Acordei dentro do cofre do banco, amarrado e amordaçado. Levaram todos os meus pertences: Carteira, relógio, celular, documentos e, principalmente, o bilhete. Não sabia exatamente há quanto tempo eu estava ali, mas eram horas. Tinha sede e fome. Deviam estar esperando anoitecer para me matarem, assim ficaria mais fácil tirar meu corpo dali sem que alguém percebesse. Como eu pude ser tão ingênuo? Deveria ter contado ao meu pai, ou a alguns poucos amigos mais próximos.  Meu medo e desconfiança me colocaram naquele lugar.
Ouvi o barulho da porta se abrindo. O velho gerente entrou no cofre acompanhado dos dois homens.
— O coloquem no carro e não deixem que ninguém os veja. — deu a ordem.
Fui jogado no porta-malas de um Monza preto e levado para um sítio afastado da cidade. Pelo menos foi a conclusão que eu cheguei após sentir o carro trepidando por causa da estrada sem asfalto e pelo tempo de viagem.
Agora estou aqui, amarrado em uma árvore, com frio, fome, sede e esperando a inevitável morte. Meus imóveis, carros, barcos e as tão sonhadas viagens, serão apenas alguns sonhos de um pobre operário que achou, inocentemente, que poderia realizá-los. E meu pai, pobre homem, que tanto tive medo de perder, o que será dele sem mim? Maldito seja o dinheiro, que me fez acreditar em sua falsa promessa. A promessa da felicidade.

Eles voltaram. Aqui finda a história deste pobre ganhador.

Girotto Brito

Escritor

Poeta e contista, autor do livro "Os três lados da moeda: vida e morte em poesia" e colaborador em diversas antologias de contos.

6 comentários:

  1. Nossa esse texto é seu ? Se sim. Poderia fazer uma coletânea de contos, já pensou nessa possibilidade ??

    Enfim, vim retribuir a sua atenção.
    Seguindo aqui !! Obrigada :)

    beijos s2
    http://maetoescrevendo.blogspot.com.br/2014/03/dia-nacional-da-poesia.html

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  2. Sim Lêeh, todos os contos e poesias aqui do blog são escritos por mim. Obrigada por participar, também acompanho seu blog.

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  3. mas que saliencia teacher
    gostei do fim nao opskpsoksp
    deu vontade de entrar na historia e salvar esse cara
    coitado do pai dele mano

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  4. Rsrs. O fim foi um tanto quanto inusitado né? Mas é a vida, nem sempre os finais são felizes.

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  5. ótimo texto, adorei seu espaço \o
    Obrigada por ter passado lá no nosso blog e por comentar, estamos seguindo :3

    -Gio

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